Mestrando em Enfermagem
de Saúde Infantil e Pediatria
HPA Magazine 15
Em Pediatria o atendimento à criança carece de uma atenção especial e de um reforço dos cuidados humanizados. O conceito de criança tem sofrido alterações ao longo dos anos, passando de um individuo sem interesse para a sociedade, até aos dias de hoje, em que a criança tem uma importante posição, sendo detentora de direitos Neste sentido, os cuidados de enfermagem deixaram de se centrar no modelo biomédico, na doença e no curativo, passando a atuar na prevenção, no bem-estar e na relação com o ambiente, tendo sido desenvolvida uma visão holística sobre o individuo.
Ao cuidar de crianças hospitalizadas, encontramos um ser humano e a respetiva família imersos em emoções, desgaste físico e vulnerabilidade social, o que exige do profissional de enfermagem não só compreensão da doença, mas também sensibilidade para reconhecer as peculiaridades de cada indivíduo.
A doença, a hospitalização e a dor são fatores potenciadores de stress na criança. A exposição da criança a episódios traumáticos repetidos, ativa as suas respostas biológicas de stress, que produzem consequências comportamentais e emocionais que se traduzem em trauma. A resposta de stress é constituída pela ativação e interação de um conjunto de sistemas que visam alertar e proteger o organismo contra as ameaças externas. Na criança, que se encontra em desenvolvimento, a ativação repetida destes sistemas vai condicionar o desenvolvimento da estrutura e do funcionamento do seu cérebro, tendo consequências na forma como a criança se relaciona consigo, com os outros e com o ambiente. As experiências de hospitalização das crianças mostram que o desconhecimento e a perda de controlo são as principais causas de stress. Dependendo da idade e do seu desenvolvimento cognitivo, as crianças apresentam vários medos durante a prestação de cuidados, entre eles a lesão física, a dor, os procedimentos de enfermagem, a separação dos pais, o ambiente desconhecido, os instrumentos e equipamentos e a perda de autodeterminação.
É da responsabilidade dos enfermeiros a realização de intervenções que visem a diminuição destes impactos, como por exemplo a utilização do brincar terapêutico.
O brincar terapêutico pode ser definido como um conjunto de intervenções para promover o bem-estar das crianças durante a hospitalização, sendo um conjunto de atividades lúdicas estruturadas em função do estado de saúde, idade e desenvolvimento da criança. Assim, não se trata apenas de uma atividade recreativa, mas sim de uma atividade planeada com um objetivo. Numerosos estudos mostram que o brincar terapêutico ajuda a melhorar esses comportamentos, uma vez que através da brincadeira, as crianças podem compreender e aceitar a situação que estão a viver e aprender a expressar os seus sentimentos e emoções sobre os procedimentos durante a hospitalização.
Face à pandemia, a necessidade da utilização dos Equipamentos de Proteção Individual pode ser encarada como um fator barreira na relação entre o enfermeiro e a criança.
O brincar proporcionado pelos profissionais de saúde pode melhorar a relação enfermeiro-criança, aumentando a confiança durante a prestação de cuidados. Assim, é importante conhecer a eficácia do brincar terapêutico para transformar as unidades hospitalares pediátricas num ambiente agradável, atraente e lúdico, afim de alcançar melhor resultados e humanizar o atendimento.
Desta forma, nesta fase pandémica em que as repercussões da hospitalização estão ainda mais marcadas, existe a necessidade de intervir no sentido de diminuir os impactos que o recorrer a um serviço de saúde tem atualmente nas crianças. Posto isto, os enfermeiros de pediatria podem usar o brincar como uma estratégia do cuidar na criança hospitalizada, uma vez que apresenta numerosas vantagens face à hospitalização. Também os pais, enquanto figura de proteção para a criança, apresentam um papel fundamental no brincar terapêutico, sendo a sua aprovação e participação, a forma mais facilitadora na aceitação pela criança do brincar terapêutico durante a prestação de cuidados.
Surge assim a necessidade de, tanto os profissionais de saúde como os pais, se reverem um pouco no papel de crianças e desmistificarem a figura do prestador de cuidados no hospital, permitindo que as crianças da nossa sociedade se desenvolvam corretamente. Todos somos responsáveis pelo desenvolvimento da criança livre de trauma.